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Brincar não é brincadeira não! Pelo menos não no sentido como muitos adultos gostam de constituir este verbo, ou seja, proceder de forma leviana, imprudente, galhofeira ou frívola.
Para a criança, brincar tem um significado próprio do seu mundo. Ao brincar ela está tão envolvida, tão entregue, tão ?dona de si?, que poderíamos dizer que sua brincadeira é uma ação absolutamente séria.
Quando procuro no dicionário o significado de sério, a primeira coisa que vejo é ?aquele que não ri?, circunspecto, grave e sisudo, mas o significado da palavra é bem mais complexa, e vai além. A pessoa séria é considerada digna, sincera, verdadeira e real.
Dito isto, questiono: Por que é tão complicado para o adulto acreditar que uma criança pode achar sozinha uma forma de brincar que lhe seja suficientemente aprazível e significativa? Por que temos a necessidade de interferir, de modo muitas vezes cruel no brincar infantil?
Outro dia presenciei uma situação chocante. Estava com meu filho num parque particular, desses que você paga e passa algumas horas se divertindo. Nós estávamos no pula-pula, quando uma família (pai, mãe e criança) chegaram para brincar.
A primeira coisa que a menina desejou foi ir ao pula-pula. A mãe de imediato soltou um grito: ?Hoje não, hoje você vai brincar com as outras coisas!? A menina nem ligou e entrou no pula-pula ao lado do nosso. A mãe aparentemente nervosa, mandou a menina sair, queria a todo custo que ela fosse em um outro pula-pula, que é uma espécie de ?Bungy Jump com Trampolim?. A menina depois de muito custo foi até lá, mas foi gritando que não queria. Foi colocada no aparelho de segurança à força chorando e ficou mais uns cinco minutos desesperada pedindo por favor que lhe tirassem dali.
Mesmo um pouco longe, ouvi a mãe dizer: ?Olha aqui garota, eu estou pagando para você brincar. Aqui tem um monte de brinquedos legais, você não ficar só no pula-pula de novo!? O pai ao lado, apoiava a atitude da mãe e complementava com frases do tipo: ?Olha filha, esse brinquedo é muito legal, você vai se divertir, experimenta só um pouquinho?!
A criança desistiu depois de uns bons minutos, que pareciam intermináveis. Ela parou de chorar e começou a rir, parecia que finalmente estava se divertindo.
Será que os pais tinham razão na atitude tomada?
Muitas vezes vejo reflexões sinceras de pessoas classificadas com ?mente aberta? que dizem ser necessário a insistência em determinados assuntos para encorajar as crianças, para faze-las perder seus medos e amadurecerem.
Depois da cena fui para casa pensando: Por que o adulto tem a forte necessidade de impor aos seus filhos tantas experiências ditas ?legais?? Será que ele não confia na capacidade da sua criança de experimentar, entender e sentir o mundo sozinho? Será que ele não conhece seu filho e não sabe de fato o que lhe agrada, o que lhe faz feliz? Será que o adulto não se importa com os sentimentos da sua criança? Será que a ação do respeito deve ser aplicada somente com seus iguais, ou seja, com outros adultos?
Mas a pergunta que mais me instigava era: ?Será que a criança realmente estava se divertindo, ou desistiu de lutar, desistiu de ficar do lado dos seus sentimentos mais verdadeiros para adotar os sentimentos e as necessidades frívolas dos seus pais??
Chamo de frívolas, porque aqueles dois adultos estavam ignorando completamente o desespero daquela criança, estavam desrespeitando seus limites pontuais e estavam mais preocupados com o ?custo benefício? de terem levado sua filha naquele parquinho caro.
Brincar não é brincadeira não!
Aquela menina voltou várias vezes para o pula-pula, e as mesmas tantas vezes sofreu bullying dos pais para vivenciar outras sensações consideradas radicais por seus progenitores.
Será que esses mesmos adultos na sua infância não puderam ir a parquinhos como aquele e agora desejam que sua filha aproveite (e fique agradecida) por ter uma oportunidade de diversão como aquela? Será que eles sofreram da mesma falta de respeito com seus sentimentos e só sabem reproduzir tais atitudes? Será que só queriam ter seus egos abrilhantados com as inúmeras fotos que tiravam da menina, e que certamente iriam parar no Instagram?
A única coisa que sei é que para uma criança a brincadeira é a forma mais genuína de conhecer o mundo e de ser co-criadora dele, podendo materializar em palavras, em risadas, em gestos, em fantasias, em muito faz-de-conta suas descobertas, angustias, traumas, inspirações, desejos, sonhos e um mar profundo de experimentação da sua personalidade, que não é extensão da personalidade de seus pais.
Só será possível a criança se tornar um adulto equilibrado e feliz, se na infância poder experimentar com segurança seus momentos de brincadeira. Ela não precisa de ninguém atrapalhando seu caminho, dizendo o que fazer, como rir, como se divertir. Somente no momento que tiver liberdade para ser ela mesma no brincar é que poderá, de fato, descobrir quem é, como pensa, como sente, como quer viver.
A criança não pode decidir quase nada na sua vida, já nasceu assim, e terá que passar bons anos submetendo-se aos quereres dos pais e outros adultos. Nada mais justo permitir ao menos no momento do brincar que ela dê as regras do prazer, da satisfação e da criação.
Não existe certo nem errado no brincar, não existe mais divertido ou menos divertido para as crianças, não existe mais radical ou mais legal, a única coisa que existe para elas é o momento presente na ação, que está existindo de forma prazerosa, seja num simples pular, no brincar com pedrinhas, com a fita colorida, entre tantas coisas, e tudo isso sendo possível mesmo dentro de um grande parque de diversão.
O que você acha disso?
Eu sou Lesly Monrat e quero ajudar mães e filhos serem mais felizes.
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